25.10.13

Sob o signo de Escorpião

Plutão rege Escorpião.

Com uma órbita que dura 250 anos, Plutão tem ainda outro ciclo importante, que marca períodos históricos: o de sua conjunção com Netuno - este dura 450 anos. 

Hades-Plutão e Perséfone

Chamado de Hades pelos gregos, é o senhor do mundo inferior, subterrâneo, e nunca aparece sobre a terra. Simboliza a natureza instintiva, a força da natureza, tudo que está sob a terra: cadáveres, ouro, sementes...

Intensos e poderosos são todos os deuses associados a Escorpião e Plutão: Dionisos, Shiva, Kali, Shakti, a serpente kundalini. 

O mito mais conhecido sobre Hades é o do rapto de Perséfone, a virgem (Coré). Quando ela colhia flores com suas amigas ninfas a terra se abriu e dela saiu Hades, de elmo e manto negros, num carro puxado por cavalos negros. Ele a levou para dentro da fenda que se abrira na terra para sua saída do mundo inferior. O único vestígio que ficou foram pegadas de porcos que estavam no local.
 
Deméter, a deusa da agricultura (Ceres para os romanos), mãe de Perséfone, passa a procurá-la, mas não encontra. Acaba recebendo ajuda de Hécate, a deusa das encruzilhadas, que a acompanha até Febo, o deus do sol que vê tudo. Ao saber o que aconteceu, Deméter determina que nenhuma planta mais vai crescer, e se retira para outra região. Na forma de uma velha, passa a cuidar do bebê, filho do rei, em Elêusis.

Depois de um longo tempo em que os seres vivos estão morrendo de fome, Zeus envia seu mensageiro Hermes a Hades, mas este convence Perséfone a comer sementes de romã, e uma lei do mundo inferior é que quem come algo lá não pode mais sair. Desta forma Perséfone - que simboliza o grão, a semente - vive parte do ano com sua mãe e parte com Hades, que se torna seu marido, fazendo dela a rainha do mundo inferior.
 
Este e outros mitos de descida e subida - que eram usados em iniciações na Antigüidade, como os mistérios de Elêusis - estão ligados ao arquétipo de Plutão: o da morte e renascimento de Dionisos, a descida de Inana, o de Ísis e Osíris, o da Medusa, a serpente emplumada Quetzalcoatl.
 
A passagem do planeta Plutão por um ponto do mapa astrológico pessoal traz sempre transformações profundas e definitivas, exige que olhemos para o sombrio, o que está escondido.

O rapto de Perséfone aparece nos Hinos homéricos, cerca de 700 a.C. Os invasores guerreiros, vindos do noroeste, submeteram as deusas locais a seus deuses armados e recontaram os mitos.

Fontes:
Joseph Campbell,
As máscaras de Deus, Mitologia ocidental

19.10.13

Yoga

Valéria em Paschimottanasana

A prática da Hatha Yoga

 

Inicialmente eu pratiquei hatha yoga querendo atingir alguma coisa. Assim, ansiava que as posturas saíssem, queria alcançar o melhor de mim mesma.
Tive um problema muscular, com muita dor, mas pensava: isso é normal, faz parte do processo. Vendo que esse problema não cessava, procurei um massagista e foi então que meu corpo percebeu algo. Um toque mais duro, incisivo - mais yang, como diriam os chineses - provocava uma reação mais imediata, física, enquanto o toque mais leve, mais sutil, produzia profundas reações emocionais. Era como se eles me embalassem, protegessem, dizendo: "você está em segurança; sinta, seja!"
 
Comecei a ler, pesquisar e experimentar no meu corpo e na minha mente um trabalho onde esta característica mais sutil preponderasse. Vi a relação entre o pensamento chinês e o indiano no professor Hiroshi Motoyama e a partir daí me senti à vontade para pesquisar no Zen Shiatsu. Encontrei o conceito fantástico de que onde nos falta energia (regiões mais flácidas, alongamentos que alcançamos com mais facilidade) está a raiz, a essência de nossos problemas. O problema é "o que nos falta", aquilo que não temos consciência. 
 
Normalmente nossa consciência volta-se para regiões tensas, doloridas, onde há excesso de energia, os alongamentos são mais difíceis - aquelas posturas que não conseguimos fazer (dentro da hatha yoga). Nossa tendência é nos concentrarmos mais ainda nessas partes, lutarmos com elas, ou melhor: contra a tensão, a resistência que nelas encontramos. 
 
Nossa energia acompanha o nosso olhar, a nossa atenção. Nesta prática, portanto, energizamos cada vez mais aquilo que já está repleto. Provavelmente vamos nos tornando cada vez mais unilaterais. Toda consciência numa parte e o resto deixado na sombra da consciência. Este é o caminho preponderante no nosso tempo: o jeito masculino de "enfrentar a vida". Deve haver um outro modo de "viver a vida" e de praticar hatha yoga
 
Por que não trazermos as virtudes femininas da paciência e receptividade para nosso trabalho? Esta me parece a proposta do Zen Shiatsu e é o que venho tentando fazer. Faço as asanas observando meu corpo e respirando. Tento deixar a mente atenta no que está ocorrendo, ouvindo meu corpo. Não brigo com a dor, nem com qualquer outra resistência que meu corpo apresente. Tento simplesmente observar, não querendo alcançar nenhuma meta, nenhum resultado. Tento apenas estar presente aqui e agora. Fico mais tempo nas posturas que me dão mais prazer, as mais fáceis para mim, me permitindo sentir. 
 
E me vêm tantas sensações! (nem sempre agradáveis, diga-se de passagem).

Não tem sido um caminho fácil; sempre me percebo com a tentação de me deixar  levar pelo orgulho e perseguir um objetivo exterior (fazer "melhor", cronometrar o tempo que agüento ficar em cada postura, para bater depois meu próprio recorde, etc...).
É um caminho solitário, imensurável, interminável. Relendo anotações de um livro de Thérèse Bertherat encontrei a seguinte frase: "Na vida estou cada vez menos fazendo de conta". É isso aí!

Nota: a prática de yoga e meditação é reconhecida pela medicina ocidental como benéfica à saúde. A mudança de hábitos, alimentares e outros, vem naturalmente com a prática.

namastê
Valéria


6.10.13

A caixa de Pandora


Encontrei várias versões desse mito na rede, cada uma diferente, a maioria sem semelhança com as fontes clássicas que li. Por isso resolvi contar outra versão.

Pandora aparece pela primeira vez, na literatura, em Hesíodo: na Teogonia não tem nome, em Os trabalhos e os dias é nomeada, mas nos dois é a mesma figura negativa.

Prometeu enganara os deuses pela segunda vez, roubando o fogo e dando-o aos homens. Por vingança Zeus mandou Hefesto fazer do barro uma moça, que Atena adornou com todos os dons e Afrodite com a beleza, e que era “pura malícia”, dom recebido de Hermes. Ela foi a primeira mulher, da qual vieram todas, “que vivem entre os homens para lhes trazer problemas”... pois “têm a natureza de fazer o mal”.

Hermes a leva como presente a Epimeteu, irmão de Prometeu, que a recebe. (Alguns autores dizem que é Prometeu quem se casa com ela.) Pandora, “a que é dotada de tudo”, ou talvez "a doadora de tudo", em casa de Epimeteu, abre o grande jarro de estocar mantimentos – não caixa, isso foi um erro de tradução de Erasmo de Roterdã – onde Zeus prendera todos os males do mundo. Assim se soltam no mundo as doenças, morte, trabalho, sofrimento, todas as pragas e males, enfim, exceto a esperança (ou seria expectativa?), que fica presa no jarro.

Vaso do séc. V a.C.
Ashmolean Museum, Oxford
Antes das fontes escritas, existiu outra versão do mito de Pandora, que aparece nas pinturas em vaso.

Jane Ellen Harrison há um século e Dora e Erwin Panofsky mais recentemente falam da inversão do mito: uma deusa da terra, “ a que tudo doa”, com um grande vaso onde estão todas as coisas boas, que era aberto num ritual. A imagem de vaso do período clássico mostra o anodos, a subida da terra, que é comum a deusas Mãe-Terra, como Gaia.

Pandora, por Fê Beretta

A inversão do mito ocorre para justificar uma nova ordem, na qual um povo guerreiro, portanto patriarcal, com deuses masculinos, submete um povo agricultor, onde a mulher participa da natureza da deusa, como conhecedora dos alimentos, das plantas que curam, dos saberes, enfim, da Deusa-Terra. O novo mito demoniza a deusa do povo vencido, apresentando-a como a causa do mal. 

Ligada ao mito de Prometeu, que por sua vez está relacionado ao signo de Aquário, Pandora participa da natureza desse titã xamânico, também uma criatura da terra. Devo a minha amiga Zila a percepção de que a imagem da constelação de Aquarius é um homem despejando água de um grande vaso.

Aquarius, seg. Hevelius












Para saber mais: 
Lost goddesses of early Greece, Charlene Spretnak

28.9.13

Primavera


Nesta estação do ano a vida brota na natureza, após o descanso do inverno. A energia que estava sendo cuidadosamente armazenada pelas plantas irrompe, gerando os brotos e uma nova vida.
Em nosso organismo (e em nossas vidas) é o tempo de transformar, depurar o “velho” para que brote o “novo”. Nossa energia se volta para o movimento, a ação, a realização daqueles projetos que idealizamos no recolhimento do inverno.
O elemento que predomina nesta estação é a Madeira (as árvores e plantas que se renovam) e os meridianos ligados a esta energia são os relacionados aos órgãos do fígado e da vesícula biliar.
A energia vital fluindo livremente por estes meridianos gera a capacidade de fazer opções, decidir entre diferentes caminhos/projetos.
É a época em que temos o impulso de realizar coisas no mundo, de exercer nossa capacidade criativa para transformarmos a nós mesmos e a nossa realidade. Por estarem ligados ao crescimento, ao movimento, fígado e vesícula biliar (F/VB) regem nossos músculos e tendões.
A emoção ligada a eles é a raiva, que nada mais é do que um impulso para o movimento, para realizar uma expectativa, que nós bloqueamos. Geralmente a raiva parece ter uma causa externa – uma pessoa, ou uma situação “criaram” a raiva dentro de nós -, mas se analisarmos esta emoção do ponto de vista de nossa vontade de alterarmos a vida de outros para nos sentirmos bem, veremos que ela brota de uma expectativa interior que não foi concretizada.
Valéria em Trikonasana
Podemos sentir a energia fluindo pelos meridianos de F/VB quando permanecemos em posturas laterais, por exemplo, Uttitha Trikonasana, Parighasana, Uttitha Parsvakonasana.
A energia de cada meridiano pode também ser equilibrada por cuidados relativamente simples com nossa alimentação, bem como cuidando de nossa vida anímica.
Alimentação
Uma vez que o organismo está se depurando é importante não sobrecarregá-lo com excesso de gorduras, proteínas de origem animal e alimentos pesados em geral.
Ajudam a equilibrar a energia os brotos, as folhas tenras, miúdas (salsinha, manjericão, orégano), as folhas verde-escuras, como rúcula, agrião, couves.
O sabor ligado a estes meridianos é o ácido, que nesta estação deve ser usado com cuidado, para não provocar excesso de energia. Utilizadas com equilíbrio as frutas ácidas (laranja, mexerica, abacaxi...) ajudam a harmonizar a energia do fígado.
Alimentos anímicos
O contato com a natureza, que está exuberante na primavera, equilibra a energia de F/VB.
Toda atividade que nos permite desenvolver nossa criatividade, bem como o contato com pessoas criativas e calmas, também favorece esta energia.
Como o elemento Madeira tem uma natureza ascendente, a prática da meditação ou a busca de um caminho espiritual (não necessariamente uma religião formal) cooperam com a sua harmonização.
Para finalizar, descrevo alguns indicadores de desequilíbrio nos meridianos de fígado e vesícula biliar: falta de vontade, irritabilidade, tendência a gritar e/ou a chorar por qualquer coisa.

5.9.13

Curso: o amor nos mitos e na vida pessoal

Começando em 12 de setembro, nas noites de quinta, das 19:00 às 20:30 h.

Quatro encontros em grupos pequenos

Cada um de nós tem um repertório de mitos sobre os relacionamentos de amor e de amizade, e também sobre os de oposição e luta.

Esses mitos vêm de várias fontes, desde a família até os locais de trabalho, a imprensa, cinema, televisão, etc. etc...
Todos nós temos mitos conflitantes sobre o mesmo tema.

Neste curso aplicamos essa idéia aos relacionamentos: que mitos temos dentro de nós que nos levam a repetir fórmulas que não deram certo? Que outros mitos temos, em nós mesm@s, que nos permitam mudar de rumo em direção à felicidade? 

Conhecer esses mitos conflitantes – e optar pelos mais enriquecedores – é um caminho de libertação do sofrimento nas relações.

Nesses quatro encontros vamos abordar as crenças que se expressam através de nossas relações interpessoais, numa jornada de busca do amor em paz.
Viajaremos do pequeno em direção ao grande, do passado para o futuro, do superficial para o profundo.

O caminho será feito em etapas, onde haverá conversas, contação de histórias, imagens míticas e outras práticas.

Temas:
Irmãos -  os hostis, os inseparáveis, os complementares
Mitos de gêmeos ou simplesmente de irmãos exibem uma gama de possibilidades, como Rômulo e Remo, Castor e Pólux, Gilgamesh e Enkidu, Pa'i Kuara e Jacy. Essas relações pessoais da infância são uma base importante para outras mais amplas na vida adulta. 
Botticelli
Botticelli: Vênus e Marte
@ companheir@ de jornada
O amor cortesão da Idade Média: Lancelot e Guinevère, Parsifal e Conduiramours... ainda é nosso modelo de parceria? 
"Quem me completa" é a pergunta que vem logo depois de "quem sou eu". Do apaixonar-se até a relação integral de duas pessoas existe um continuum de desenvolvimento, pessoal e da parceria. Do que se espera encontrar n@ outr@ até ver @ outr@ como é e amá-l@ justamente por isso. 

"Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais"
Ulisses é astucioso como seu avô Autólico. Édipo é violento como seu pai Laio. Atena é industriosa como sua mãe Métis. 
Aprendemos por imitação, e nossos pais são nossos primeiros modelos, de homem, de mulher, de convivência. Refletimos nossos pais em nosso comportamento e em nosso corpo, ficamos fisicamente parecid@s com eles. Outras reflexões podem nos permitir a exploração de novos modelos de sermos nós mesm@s e de conviver com outros.

O presente do amor e a utopia do amor em paz
O presente é precioso. A utopia é a inspiração, o horizonte que nunca é alcançado mas que alimenta a vontade de caminhar. Somos muitos, mas só conseguimos conviver de verdade em pequenos grupos. Essa convivência acontece agora. Como essa relação um-grupo nos alimenta ou nos deixa famintos? Como construir relações que nos apóiem a sermos cada vez mais plenos? 

Em cada um desses encontros sucessivos, com número pequeno de participantes, entramos em contato com os mitos correntes que têm modelado nossa vida até o momento, e buscamos criar outros, que nos sejam mais adequados. O fio condutor dessa busca é a criação de mais plenitude de autoexpressão, e de relacionamentos que nos façam mais felizes.

Quatro encontros semanais, com uma hora e meia de duração.
Valor: R$ 100,00 

Início: 12 de setembro, às 19:00 h

18.6.13

Comemorando o solstício de inverno

No sábado 22 de junho, conversamos no Espaço Coaraci sobre o momento que vivemos. Na ocasião postei o texto abaixo, e acrescento aqui que, atendendo a pedidos, teremos nova conversa sobre o tema - o momento atual - no dia 20 de julho. Entre em contato se quer participar.

O Sol entra em Câncer dia 21, de madrugada, marcando o começo do inverno.
Se parece estranho comemorar o começo dessa estação de pouco sol, lembremos que a maior festa do ano é o período de Natal e Ano Novo, inventada no inverno do hemisfério norte, que é muuuuito mais frio.
O solstício é o dia mais curto do ano, daí em diante a luz começa a aumentar, o sol começa a ficar cada vez mais alto no céu. É isto que se comemora no solstício de inverno: a volta do Sol, que parecia estar morrendo e recomeça a ganhar forças.
Neste ano de 2013 temos um momento especial na sucessão do tempo, porque Urano e Plutão estão formando um ângulo reto no céu. É um tempo de transformações profundas. Os últimos acontecimentos em cidades brasileiras mostram o tom, que inclui a forma pacífica indicada pelo fato de se juntarem a esse planetas tão distantes da Terra outros dois, mais conhecidos e próximos, Vênus e Mercúrio.

Neste solstício o Sol estará fazendo parte de uma configuração que indica criatividade, dentro de parâmetros interessantes: ele entra no lugar de Vênus e Mercúrio, trazendo consciência e possibilidade de expansão, mas não sem ordem.

Se você nasceu nos signos que iniciam as estações, sentirá em sua vida os efeitos das mudanças. Mas se nasceu em qualquer signo de água também, embora de formas diferentes.
E as pessoas dos signos do meio das estações viverão outros efeitos... enfim, todo mundo vai vivenciar isso.
Se quiser, traga seu mapa para conversarmos sobre como o mapa do momento, que reproduzo aqui, afeta você.
QUANDO: sábado dia 22/06, às 10:00 h
ONDE: R. Ausonia 509 - metrô Tucuruvi
VALOR: R$ 10,00
Espero você.

28.4.13

Considerações sobre a prática de yoga



         O primeiro livro que se conhece sobre o yoga é o “Ioga Sutras”, escrito por Patanjali em 200 a.C.
“Ioga é a cessação dos movimentos da mente” – assim começa este livro e continua “então o observador permanece estabelecido em sua própria natureza essencial”... em outros momentos, o observador parece assumir a forma da modificação mental”.
         Em outras palavras: a mente está em constante movimento, pensamentos e sentimentos passam incessantemente e nós nos identificamos com eles, julgamos ser aquilo que pensamos e sentimos. Ficamos presos a conceitos, julgamentos, críticas, sempre defendendo aquilo que julgamos ser a nossa identidade, mas que na realidade são apenas formas de pensar que aprendemos na infância através da família, professores, líderes políticos e religiosos, etc...Criamos um ego em cima dessas crenças e a partir daí criamos uma barreira entre nós e o mundo e até mesmo entre nosso eu superficial e nosso ser essencial.
         Não nos julgamos dignos de simplesmente ser, existir...por isso não nos permitimos pausas para apenas observar como realmente estamos, ou somos. Como nos identificamos com algo que não tem substância, que é uma ficção criada pelo social (apesar de acreditarmos que nós mesmos criamos o ego) temos medo de perder posição, status, de morrer, e buscamos a segurança em ter sempre mais qualquer coisa: dinheiro, bens, conhecimento, até mesmo mais desenvolvimento espiritual.
         Esta é a causa do nosso sofrimento e a ioga a chama de avidya, que significa “ignorância”, “não saber”. Ignoramos que não somos nossa mente, não somos nosso ego, que somos o ser e que este não pode ser qualificado ou quantificado: ele apenas é...nós apenas somos.
         Eckart Tolle (um pensador contemporâneo) escreveu: “O filósofo Descartes acreditava ter alcançado a verdade mais fundamental quando proferiu sua conhecida máxima: “Penso, logo existo”.Cometeu, no entanto, um erro básico ao equiparar o pensar ao Ser e a identidade ao pensamento. O pensador compulsivo, ou seja, quase todas as pessoas, vive em um estado de aparente isolamento, em um mundo que reflete a fragmentação da mente em uma escala cada   vez maior....Se nos identificamos com a mente, criamos uma tela opaca de conceitos, rótulos, imagens, palavras, julgamentos e definições que bloqueia todas as relações verdadeiras. Essa tela se situa entre você e o seu eu interior, entre você e o próximo, entre você e a natureza, entre você e Deus. É essa tela de pensamentos que cria uma ilusão de separação, uma ilusão de que existe você e um “outro” totalmente à parte. Esquecemos o fato essencial de que, debaixo do nível das aparências físicas, formamos uma unidade com tudo aquilo que é. Por “esquecemos” quero dizer que não sentimos mais esta unidade como uma realidade evidente por si só. Podemos até acreditar quer isso seja uma verdade. Acreditar pode até trazer conforto. No entanto, a libertação só pode vir através da vivência pessoal.”

         Este trecho contém a essência do pensamento iogue (do pensamento oriental de modo geral), por isto achei importante transcrevê-lo, mas também para mostrar que a ioga continua atual e que ela é uma filosofia de vida, não apenas uma prática física.
Este mesmo autor em seu livro “O Poder do Agora” escreve...”a compulsão para pensar é só um hábito profundamente estabelecido”.  E o pensador indiano Krishnamurti também segue nesta mesma linha quando afirma: “quando a mente está completamente quieta ela não está presa ao tempo e à memória; então nessa qualidade há uma quietude na mente que observa”...e ainda é Tolle quem completa:”podemos perceber que há uma corrente de quietude subjacente a tudo que existe. Podemos perceber que há esta corrente em nós – mais do que isso – percebemos que nós somos essa corrente; não somos a história pessoal que criamos em nossa mente – ela pode continuar lá, mas sabemos que nós não somos isso! Somos a corrente de quietude no eterno agora!”
É esta quietude que buscamos com a prática da ioga. Quando permanecemos em uma postura apenas estamos lá, expressando aquilo que somos – cada um de seu jeito peculiar. Não há metas a serem perseguidas, não há avaliações, notas, não “trocamos de faixa”, nem passamos para um nível superior, nem descemos para um nível inferior. Apenas ficamos atentos a nossa respiração, sentindo o pulsar do umbigo (aí se encontra o centro da nossa energia).
 “Para onde vai nossa atenção, vai a energia”; concentrados em nosso centro é para ele que flui nossa energia vital, acalmando pensamentos e emoções. O resto é maya, é ilusão. A respeito da ilusão existe um excelente livro que pode ser baixado da Internet chamado “Hierarquia – a matrix realmente existente”, escrito por Augusto de Franco. Aí vai um trecho que merece reflexão:
“As pessoas continuam reproduzindo comportamentos muito semelhantes – que deformam o campo social – como se estivessem sob a influência de um mesmo sistema de crenças, valores, normas de comportamento e padrões de organização; ou como se rodassem um programa básico que foi instalado em suas mentes e acham que o mundo (ou ‘a realidade’) é assim mesmo. Ora, isso evoca a metáfora do filme The Matrix, no qual máquinas poderosas, com inteligência artificial, controlam a humanidade cativa e as pessoas vão vivendo suas vidas, monótonas ou frenéticas, em suas modernas colméias humanas, sem saber disso, tomando a aparência pela realidade”.
Tomar a aparência pela realidade é a definição de maya, de ilusão. Só para dar um exemplo: ouvimos freqüentemente a afirmação de que o homem é por natureza belicoso, competitivo, que só os mais fortes vencem, que a vida é uma luta, etc... Ocorre que descobertas arqueológicas provaram que em sociedades muito primitivas havia cooperação, uma vez que foram encontrados fósseis de pessoas com sérias doenças congênitas que não poderiam ter sequer se alimentado sem a ajuda da comunidade. Se pensarmos como deveria ser difícil a vida dos homens das cavernas, com poucos recursos para encontrar alimento, se defender dos animais maiores, etc...como poderiam ter sobrevivido se não vivessem em comunidade, cooperando uns com outros, dividindo o que conseguiam caçar? O individualismo, aliás, é algo muito recente (e parece que não está funcionando muito bem!).
Como podemos perceber, ioga não é apenas um exercício físico, nem é algo exótico, vindo de uma cultura distante: ela é estar desperto, é questionar, refletir e ousar mudar.


Namastê


Valéria Prado

Para saber mais, acesse no youtube vídeos de Eckhart Tolle e Krishnamurti; entre no site da “Escola de Redes” para assistir palestras de Augusto de Franco.

Livros interessantes sobre este tema:

“Um Novo Mundo – O despertar de uma nova consciência”, por Eckhart Tolle
“O Poder do Agora” – do mesmo autor
“A Humanidade pode mudar?”, por J. Krishnamurti
“O Significado da Felicidade”, por Alan W. Watts
“Comunicação não-violenta”, por Marshall B. Rosenberg

Sobre o centro de energia e os meridianos (nadhis)




         Começo citando um texto extraído do livro “HARA”, de Karlfried Graf Durckheim:

“O corpo é a manifestação da alma, e a alma é o sentido do corpo; portanto, não existe nenhuma estrutura mental e nenhuma tensão espiritual que não se reflita no corpo. O ponto de gravidade espiritual corresponde ao ponto de gravidade do corpo, e significa também que o encontro do centro interior é ao mesmo tempo o encontro do centro físico.
         Mas onde fica o centro do corpo? Na região do umbigo, mais exatamente um pouco abaixo.
         Quem possui Hara pode e está preparado para tudo e também para a morte, resignando-se a qualquer situação. Ele também pode curvar-se diante do vencedor, sem se entregar e pode esperar. Ele não se opõe contra o fluxo da roda do destino, mas espera serenamente o tempo passar. Visto pelo prisma do Hara, o mundo é totalmente diferente. Ele é como é, sempre diferente do que se deseja, mas continuamente em harmonia com tudo. A obstinação causa sofrimento”.
         O Hara, a que se refere o autor é o centro da energia do nosso corpo, que na  yoga chamamos de manipura (cidade da jóia), no taoísmo chamamos de tai chi. Toda prática oriental visa o retorno a esse centro, a permanência nele, pois quando a energia está concentrada nesse ponto ela pode fluir livremente pelos canais de energia.
O remédio é a energia – dizia Mestre Liu Pai Lin. Quando ela flui temos uma condição de saúde, e quando ela fica estagnada, represada, adoecemos.

Isto nos remete aos meridianos de energia, que na yoga são chamados de nadhis. Toda medicina tradicional chinesa se baseia nos meridianos; a acupuntura visa desobstruir os mesmos, assim como as massagens nascidas no oriente: tui-ná, shiatzu, do-in, etc...

Os meridianos fazem a ligação do exterior com o interior, do superficial com o profundo; atuando sobre o meridiano, atuamos no órgão. Eles são um fluxo de energia contínuo, como o curso de um rio ininterrupto.

Ao realizarmos posturas que atuam sobre as laterais do corpo, como os Trikonasanas, por exemplo, estamos desbloqueando os meridianos de Fígado e Vesícula Biliar (F-VB que) passam por esta região. Cada meridiano está ligado a um elemento da natureza, a um sabor, a uma estação do ano, a um clima, a uma atitude, a uma emoção, etc...
Fígado e Vesícula Biliar estão ligados ao elemento Madeira; sua energia é de expansão, ela procura abrir caminho, criar espaços.
Estação: primavera (quando estes meridianos estão ao mesmo tempo mais ativos e mais sensíveis, precisando de mais atenção e cuidados).
Sabor: ácido (em excesso pode prejudicar a energia do fígado, mas na dose certa atua como um verdadeiro remédio)
Partes do corpo governadas: nervos e tendões, olhos.
Emoções: raiva, irritação, impaciência.
Atitude: planejamento e decisão.

Nas posturas que atuam sobre a abertura do tórax, como Ustrasana (a postura do camelo) estamos desbloqueando os meridianos de Coração e Intestino Delgado (C-ID) que possuem pontos importantes nesta região e nos braços.

Coração e Intestino Delgado estão ligados ao elemento fogo; o sol aquece e permite a vida na terra e o sol em nós é o coração, que irradia calor humano e alegria. Quando estes meridianos estão desequilibrados tanto podemos ficar fechados demais, mal humorados ou histéricos, super excitados.
Estação: Verão
Sabor:  amargo
Partes do corpo governadas: veias e artérias, língua.
Emoções: histeria, hiperexcitação
Atitude: alegria, comunicação, calor humano.

Nas posturas que atuam sobre a parte anterior das pernas, como os Virasanas, estamos desbloqueando os meridianos de Estomago e Baço-Pâncras (E-BP), que possuem pontos importantes nesta região.
Estes meridianos estão ligados ao elemento Terra – que é o chão que pisamos, o que nos dá estabilidade, base, centro.
Estação: o final do Verão, mas também a parte final de cada estação, quando a natureza já prepara o período, a estação seguinte.
Sabor: doce (o doce natural dos alimentos – das frutas, por exemplo; o açúcar, especialmente o refinado pode causar desequilíbrios nestes meridianos, especialmente quando ingeridos em excesso)
Partes do corpo governadas: músculos, circulação linfática, boca.
Emoções: preocupação, crítica, pensamento obsessivo.
Atitude: reflexão, permanecer no seu próprio centro.
Nas posturas que atuam sobre ombros, braços e naquelas que visam desbloquear as juntas do corpo (aonde a energia se bloqueia mais facilmente) estamos desbloqueando os meridianos de Pulmão e Intestino Grosso (P-IG).
Estes meridianos estão ligados ao elemento Metal, ao período de colheita, quando os frutos estão maduros. Os pulmões guardam o material precioso, o tesouro sem o qual os demais órgãos não poderiam funcionar.
Estação: Outono
Sabor: picante (um pouco ajuda a energia, em excesso pode prejudicar pulmão e intestino grosso)
Partes do corpo governadas: pele e nariz.
Emoções: tristeza, ressentimento.
Atitude: saber criar pausas para absorver as experiências.

Nas posturas que atuam na parte posterior do corpo, como o Paschimottanasana, estamos desbloqueando os meridianos de Rins e Bexiga (R-B).
Estes meridianos estão ligados ao elemento água; estes meridianos guardam a energia pré-natal, por isso é muito importante cuidar desses meridianos.
Estação: inverno
Sabor: salgado
Partes do corpo governadas: ossos, medula, ouvidos.
Emoções: medo
Atitude: sabedoria de saber fluir com a vida, buscando contornar os obstáculos, como faz a água, perseverando pacientemente, esperando que a semente esteja pronta para germinar.

Estes meridianos estão em constante fluxo, interagindo constantemente em ciclos de energia. Cada elemento, cada meridiano, gera outro, em um ciclo de geração de energia:

A madeira queima, produzindo o Fogo, de cujas cinzas se forma a Terra, e dentro dela se condensa o Metal que expulsa de si a água. Em outras palavras: madeira gera fogo, que gera terra, que gera metal, que gera água, que alimenta madeira. Daí temos o ciclo Mãe-Filho (ou ciclo de geração):
Madeira(F-VB) é mãe de Fogo;
Fogo(C-ID) é mãe da Terra;
Terra(E-BP) é mãe de Metal;
Metal(P-IG) é mãe da Água;
Água(R-B) é mãe da Madeira.

Se um meridiano se desequilibra, todo o organismo sofre, pois todos estão interligados; por este motivo também não adianta tratar um único meridiano (ou um único órgão).
Mas temos ainda um outro ciclo de energia: Avó-Neta ou ciclo de dominação:
A água apaga o fogo, que funde o metal, que corta a madeira, que esgota a terra, que absorve a água.
Madeira(F-VB) é avó da Terra;
Fogo(C-ID) é avó do Metal;
Terra(E-BP) é avó da Água;
Metal(P-IG) é avó da Madeira;
Água(R-B) é avó do Fogo.

Este ciclo auxilia a “manter as coisas no lugar”, equilibrando a energia dos elementos, dos meridianos e tudo que se refere a eles – como as emoções, por exemplo.
Por exemplo: se a energia da madeira (F-VB) está bloqueada (há um excesso) podemos ajudar a desbloquear recorrendo a avó de Fígado (P-IG). Podemos pensar em utilizar os sabores - diminuir o ácido que em excesso pode prejudicar esses meridianos e aumentar com moderação o sabor picante que fortalecendo a avó ajudará a neta. Podemos ainda utilizar a atitude de P-IG – a introspecção, a meditação, para ajudar a harmonizar a energia da neta, etc...

Temos instrumentos para trabalhar nossa energia o que se reflete não apenas na nossa saúde, na nossa paz interior, mas também nas nossas relações, nos nossos afetos. Esta paz pode se irradiar do nosso centro – e isso não é algo que atingimos pela vontade do ego, pelo desejo de sermos bons, de sermos melhores,etc...vem de encontrarmos nosso centro verdadeiro, o Hara, a “Cidade da Jóia” que reside em cada ser, e não pertence a ninguém.

Namastê


3.4.13

O que é a verdade?


Oito cegos andavam juntos numa estrada da Índia, quando um homem conduzindo um elefante avisou a eles que saíssem da frente. Os cegos nunca tinham encontrado um elefante, e pediram ao condutor que lhes permitisse tocá-lo, para saberem o que, afinal, é um elefante. 
 
Recebendo a permissão, eles se aproximaram do animal enorme, de modo que um deles, ao se chocar contra a pata do elefante, gritou: “um elefante é como uma árvore!”. Mas outro, segurando o rabo do elefante, disse: “não, ele é como uma corda.” Outro pegou a tromba e concluiu que o elefante se parecia com uma cobra, outro tocou na orelha e achou que parecia com um abano... 


Para Platão a verdade é descoberta pela razão, porque está no mundo das idéias, o mundo dos sentidos é ilusório. Para Aristóteles o conhecimento da verdade vem da observação da natureza e em descobrir a causa dos fenômenos observados. Nas filosofias indianas o mundo das percepções, sentimentos e pensamentos é ilusório. A verdade é acessada pelo silêncio interior.

A ciência a que estamos acostumados nasceu no século XVI, e vê o mundo como uma máquina descrita pela matemática. A verdade é o conhecimento científico comprovado através de experimentos. “A visão, som, gosto, tato e olfato, a sensibilidade estética e ética, os valores, a qualidade, a forma, os sentimentos, motivos, intenções, a alma, a consciência, o espírito – a experiência como tal – não pertencem ao domínio científico.” (R. D. Laing, psiquiatra)

Há quase cem anos toma forma outra visão científica, chamada de sistêmica ou orgânica ou holística ou ecológica: o universo não é uma máquina, é um todo dinâmico e indivisível. As explicações dos fenômenos não são “isto ou aquilo”, são “isto e aquilo”; o olhar do observador modifica o comportamento do observado; não existem objetos, existem interconexões; algo se modifica aqui e outro algo bem longe responde se modificando de modo complementar; tempo e espaço são duas faces da mesma coisa; a luz é onda e é partícula... tudo isso apenas no domínio da física.

O que, então, é a verdade?