O primeiro livro que se conhece sobre o
yoga é o “Ioga Sutras”, escrito por Patanjali em 200 a.C.
“Ioga
é a cessação dos movimentos da mente” – assim começa este livro e continua
“então o observador permanece estabelecido em sua própria natureza
essencial”... em outros momentos, o observador parece assumir a forma da
modificação mental”.
Em outras palavras: a mente está em
constante movimento, pensamentos e sentimentos passam incessantemente e nós nos
identificamos com eles, julgamos ser aquilo que pensamos e sentimos. Ficamos
presos a conceitos, julgamentos, críticas, sempre defendendo aquilo que
julgamos ser a nossa identidade, mas que na realidade são apenas formas de
pensar que aprendemos na infância através da família, professores, líderes
políticos e religiosos, etc...Criamos um ego em cima dessas crenças e a partir
daí criamos uma barreira entre nós e o mundo e até mesmo entre nosso eu
superficial e nosso ser essencial.
Não nos julgamos dignos de simplesmente
ser, existir...por isso não nos permitimos pausas para apenas observar como realmente
estamos, ou somos. Como nos identificamos com algo que não tem
substância, que é uma ficção criada pelo social (apesar de acreditarmos que nós
mesmos criamos o ego) temos medo de perder posição, status, de morrer, e
buscamos a segurança em ter sempre mais qualquer coisa: dinheiro, bens,
conhecimento, até mesmo mais desenvolvimento espiritual.
Esta é a causa do nosso sofrimento e a
ioga a chama de avidya, que significa
“ignorância”, “não saber”. Ignoramos que não somos nossa mente, não somos nosso
ego, que somos o ser e que este não pode ser qualificado ou quantificado: ele
apenas é...nós apenas somos.
Eckart Tolle (um pensador
contemporâneo) escreveu: “O filósofo Descartes acreditava ter alcançado a
verdade mais fundamental quando proferiu sua conhecida máxima: “Penso, logo
existo”.Cometeu, no entanto, um erro básico ao equiparar o pensar ao Ser e a
identidade ao pensamento. O pensador compulsivo, ou seja, quase todas as pessoas,
vive em um estado de aparente isolamento, em um mundo que reflete a
fragmentação da mente em uma escala cada
vez maior....Se nos identificamos com a mente, criamos uma tela opaca de
conceitos, rótulos, imagens, palavras, julgamentos e definições que bloqueia
todas as relações verdadeiras. Essa tela se situa entre você e o seu eu
interior, entre você e o próximo, entre você e a natureza, entre você e Deus. É
essa tela de pensamentos que cria uma ilusão de separação, uma ilusão de que
existe você e um “outro” totalmente à parte. Esquecemos o fato essencial de
que, debaixo do nível das aparências físicas, formamos uma unidade com tudo
aquilo que é. Por “esquecemos” quero dizer que não sentimos mais esta unidade como uma realidade evidente por si só.
Podemos até acreditar quer isso seja
uma verdade. Acreditar pode até trazer conforto. No entanto, a libertação só
pode vir através da vivência pessoal.”
Este trecho contém a essência do
pensamento iogue (do pensamento oriental de modo geral), por isto achei
importante transcrevê-lo, mas também para mostrar que a ioga continua atual e
que ela é uma filosofia de vida, não apenas uma prática física.
Este mesmo autor em seu livro “O Poder do Agora”
escreve...”a compulsão para pensar é só um hábito profundamente
estabelecido”. E o pensador indiano
Krishnamurti também segue nesta mesma linha quando afirma: “quando a mente está
completamente quieta ela não está presa ao tempo e à memória; então nessa
qualidade há uma quietude na mente que observa”...e ainda é Tolle quem
completa:”podemos perceber que há uma corrente de quietude subjacente a tudo
que existe. Podemos perceber que há esta corrente em nós – mais do que isso –
percebemos que nós somos essa
corrente; não somos a história pessoal que criamos em nossa mente – ela pode
continuar lá, mas sabemos que nós não somos isso! Somos a corrente de quietude
no eterno agora!”
É esta quietude que buscamos com a prática da ioga.
Quando permanecemos em uma postura apenas estamos lá, expressando aquilo que
somos – cada um de seu jeito peculiar. Não há metas a serem perseguidas, não há
avaliações, notas, não “trocamos de faixa”, nem passamos para um nível
superior, nem descemos para um nível inferior. Apenas ficamos atentos a nossa
respiração, sentindo o pulsar do umbigo (aí se encontra o centro da nossa
energia).
“Para onde vai
nossa atenção, vai a energia”; concentrados em nosso centro é para ele que flui
nossa energia vital, acalmando pensamentos e emoções. O resto é maya, é ilusão.
A respeito da ilusão existe um excelente livro que pode ser baixado da Internet
chamado “Hierarquia – a matrix realmente existente”, escrito por Augusto de
Franco. Aí vai um trecho que merece reflexão:
“As pessoas continuam reproduzindo comportamentos
muito semelhantes – que deformam o campo social – como se estivessem sob a influência de um mesmo sistema de crenças,
valores, normas de comportamento e padrões de organização; ou como se rodassem
um programa básico que foi instalado em suas mentes e acham que o mundo (ou ‘a
realidade’) é assim mesmo. Ora, isso evoca a metáfora do filme The Matrix, no qual máquinas poderosas,
com inteligência artificial, controlam a humanidade cativa e as pessoas vão
vivendo suas vidas, monótonas ou frenéticas, em suas modernas colméias humanas,
sem saber disso, tomando a aparência pela realidade”.
Tomar a
aparência pela realidade é a
definição de maya, de ilusão. Só para dar um exemplo: ouvimos freqüentemente a
afirmação de que o homem é por natureza belicoso, competitivo, que só os mais
fortes vencem, que a vida é uma luta, etc... Ocorre que descobertas
arqueológicas provaram que em sociedades muito primitivas havia cooperação, uma
vez que foram encontrados fósseis de pessoas com sérias doenças congênitas que
não poderiam ter sequer se alimentado sem a ajuda da comunidade. Se pensarmos
como deveria ser difícil a vida dos homens das cavernas, com poucos recursos
para encontrar alimento, se defender dos animais maiores, etc...como poderiam
ter sobrevivido se não vivessem em comunidade, cooperando uns com outros, dividindo
o que conseguiam caçar? O individualismo, aliás, é algo muito recente (e parece
que não está funcionando muito bem!).
Como podemos perceber, ioga não é apenas um exercício físico, nem é algo exótico, vindo de
uma cultura distante: ela é estar desperto, é questionar, refletir e ousar
mudar.
Namastê
Valéria Prado
Para
saber mais, acesse no youtube vídeos de Eckhart Tolle e Krishnamurti; entre no
site da “Escola de Redes” para assistir palestras de Augusto de Franco.
Livros
interessantes sobre este tema:
“Um
Novo Mundo – O despertar de uma nova consciência”, por Eckhart Tolle
“O
Poder do Agora” – do mesmo autor
“A
Humanidade pode mudar?”, por J. Krishnamurti
“O
Significado da Felicidade”, por Alan W. Watts
“Comunicação
não-violenta”, por Marshall B. Rosenberg