28.4.13

Considerações sobre a prática de yoga



         O primeiro livro que se conhece sobre o yoga é o “Ioga Sutras”, escrito por Patanjali em 200 a.C.
“Ioga é a cessação dos movimentos da mente” – assim começa este livro e continua “então o observador permanece estabelecido em sua própria natureza essencial”... em outros momentos, o observador parece assumir a forma da modificação mental”.
         Em outras palavras: a mente está em constante movimento, pensamentos e sentimentos passam incessantemente e nós nos identificamos com eles, julgamos ser aquilo que pensamos e sentimos. Ficamos presos a conceitos, julgamentos, críticas, sempre defendendo aquilo que julgamos ser a nossa identidade, mas que na realidade são apenas formas de pensar que aprendemos na infância através da família, professores, líderes políticos e religiosos, etc...Criamos um ego em cima dessas crenças e a partir daí criamos uma barreira entre nós e o mundo e até mesmo entre nosso eu superficial e nosso ser essencial.
         Não nos julgamos dignos de simplesmente ser, existir...por isso não nos permitimos pausas para apenas observar como realmente estamos, ou somos. Como nos identificamos com algo que não tem substância, que é uma ficção criada pelo social (apesar de acreditarmos que nós mesmos criamos o ego) temos medo de perder posição, status, de morrer, e buscamos a segurança em ter sempre mais qualquer coisa: dinheiro, bens, conhecimento, até mesmo mais desenvolvimento espiritual.
         Esta é a causa do nosso sofrimento e a ioga a chama de avidya, que significa “ignorância”, “não saber”. Ignoramos que não somos nossa mente, não somos nosso ego, que somos o ser e que este não pode ser qualificado ou quantificado: ele apenas é...nós apenas somos.
         Eckart Tolle (um pensador contemporâneo) escreveu: “O filósofo Descartes acreditava ter alcançado a verdade mais fundamental quando proferiu sua conhecida máxima: “Penso, logo existo”.Cometeu, no entanto, um erro básico ao equiparar o pensar ao Ser e a identidade ao pensamento. O pensador compulsivo, ou seja, quase todas as pessoas, vive em um estado de aparente isolamento, em um mundo que reflete a fragmentação da mente em uma escala cada   vez maior....Se nos identificamos com a mente, criamos uma tela opaca de conceitos, rótulos, imagens, palavras, julgamentos e definições que bloqueia todas as relações verdadeiras. Essa tela se situa entre você e o seu eu interior, entre você e o próximo, entre você e a natureza, entre você e Deus. É essa tela de pensamentos que cria uma ilusão de separação, uma ilusão de que existe você e um “outro” totalmente à parte. Esquecemos o fato essencial de que, debaixo do nível das aparências físicas, formamos uma unidade com tudo aquilo que é. Por “esquecemos” quero dizer que não sentimos mais esta unidade como uma realidade evidente por si só. Podemos até acreditar quer isso seja uma verdade. Acreditar pode até trazer conforto. No entanto, a libertação só pode vir através da vivência pessoal.”

         Este trecho contém a essência do pensamento iogue (do pensamento oriental de modo geral), por isto achei importante transcrevê-lo, mas também para mostrar que a ioga continua atual e que ela é uma filosofia de vida, não apenas uma prática física.
Este mesmo autor em seu livro “O Poder do Agora” escreve...”a compulsão para pensar é só um hábito profundamente estabelecido”.  E o pensador indiano Krishnamurti também segue nesta mesma linha quando afirma: “quando a mente está completamente quieta ela não está presa ao tempo e à memória; então nessa qualidade há uma quietude na mente que observa”...e ainda é Tolle quem completa:”podemos perceber que há uma corrente de quietude subjacente a tudo que existe. Podemos perceber que há esta corrente em nós – mais do que isso – percebemos que nós somos essa corrente; não somos a história pessoal que criamos em nossa mente – ela pode continuar lá, mas sabemos que nós não somos isso! Somos a corrente de quietude no eterno agora!”
É esta quietude que buscamos com a prática da ioga. Quando permanecemos em uma postura apenas estamos lá, expressando aquilo que somos – cada um de seu jeito peculiar. Não há metas a serem perseguidas, não há avaliações, notas, não “trocamos de faixa”, nem passamos para um nível superior, nem descemos para um nível inferior. Apenas ficamos atentos a nossa respiração, sentindo o pulsar do umbigo (aí se encontra o centro da nossa energia).
 “Para onde vai nossa atenção, vai a energia”; concentrados em nosso centro é para ele que flui nossa energia vital, acalmando pensamentos e emoções. O resto é maya, é ilusão. A respeito da ilusão existe um excelente livro que pode ser baixado da Internet chamado “Hierarquia – a matrix realmente existente”, escrito por Augusto de Franco. Aí vai um trecho que merece reflexão:
“As pessoas continuam reproduzindo comportamentos muito semelhantes – que deformam o campo social – como se estivessem sob a influência de um mesmo sistema de crenças, valores, normas de comportamento e padrões de organização; ou como se rodassem um programa básico que foi instalado em suas mentes e acham que o mundo (ou ‘a realidade’) é assim mesmo. Ora, isso evoca a metáfora do filme The Matrix, no qual máquinas poderosas, com inteligência artificial, controlam a humanidade cativa e as pessoas vão vivendo suas vidas, monótonas ou frenéticas, em suas modernas colméias humanas, sem saber disso, tomando a aparência pela realidade”.
Tomar a aparência pela realidade é a definição de maya, de ilusão. Só para dar um exemplo: ouvimos freqüentemente a afirmação de que o homem é por natureza belicoso, competitivo, que só os mais fortes vencem, que a vida é uma luta, etc... Ocorre que descobertas arqueológicas provaram que em sociedades muito primitivas havia cooperação, uma vez que foram encontrados fósseis de pessoas com sérias doenças congênitas que não poderiam ter sequer se alimentado sem a ajuda da comunidade. Se pensarmos como deveria ser difícil a vida dos homens das cavernas, com poucos recursos para encontrar alimento, se defender dos animais maiores, etc...como poderiam ter sobrevivido se não vivessem em comunidade, cooperando uns com outros, dividindo o que conseguiam caçar? O individualismo, aliás, é algo muito recente (e parece que não está funcionando muito bem!).
Como podemos perceber, ioga não é apenas um exercício físico, nem é algo exótico, vindo de uma cultura distante: ela é estar desperto, é questionar, refletir e ousar mudar.


Namastê


Valéria Prado

Para saber mais, acesse no youtube vídeos de Eckhart Tolle e Krishnamurti; entre no site da “Escola de Redes” para assistir palestras de Augusto de Franco.

Livros interessantes sobre este tema:

“Um Novo Mundo – O despertar de uma nova consciência”, por Eckhart Tolle
“O Poder do Agora” – do mesmo autor
“A Humanidade pode mudar?”, por J. Krishnamurti
“O Significado da Felicidade”, por Alan W. Watts
“Comunicação não-violenta”, por Marshall B. Rosenberg

Sobre o centro de energia e os meridianos (nadhis)




         Começo citando um texto extraído do livro “HARA”, de Karlfried Graf Durckheim:

“O corpo é a manifestação da alma, e a alma é o sentido do corpo; portanto, não existe nenhuma estrutura mental e nenhuma tensão espiritual que não se reflita no corpo. O ponto de gravidade espiritual corresponde ao ponto de gravidade do corpo, e significa também que o encontro do centro interior é ao mesmo tempo o encontro do centro físico.
         Mas onde fica o centro do corpo? Na região do umbigo, mais exatamente um pouco abaixo.
         Quem possui Hara pode e está preparado para tudo e também para a morte, resignando-se a qualquer situação. Ele também pode curvar-se diante do vencedor, sem se entregar e pode esperar. Ele não se opõe contra o fluxo da roda do destino, mas espera serenamente o tempo passar. Visto pelo prisma do Hara, o mundo é totalmente diferente. Ele é como é, sempre diferente do que se deseja, mas continuamente em harmonia com tudo. A obstinação causa sofrimento”.
         O Hara, a que se refere o autor é o centro da energia do nosso corpo, que na  yoga chamamos de manipura (cidade da jóia), no taoísmo chamamos de tai chi. Toda prática oriental visa o retorno a esse centro, a permanência nele, pois quando a energia está concentrada nesse ponto ela pode fluir livremente pelos canais de energia.
O remédio é a energia – dizia Mestre Liu Pai Lin. Quando ela flui temos uma condição de saúde, e quando ela fica estagnada, represada, adoecemos.

Isto nos remete aos meridianos de energia, que na yoga são chamados de nadhis. Toda medicina tradicional chinesa se baseia nos meridianos; a acupuntura visa desobstruir os mesmos, assim como as massagens nascidas no oriente: tui-ná, shiatzu, do-in, etc...

Os meridianos fazem a ligação do exterior com o interior, do superficial com o profundo; atuando sobre o meridiano, atuamos no órgão. Eles são um fluxo de energia contínuo, como o curso de um rio ininterrupto.

Ao realizarmos posturas que atuam sobre as laterais do corpo, como os Trikonasanas, por exemplo, estamos desbloqueando os meridianos de Fígado e Vesícula Biliar (F-VB que) passam por esta região. Cada meridiano está ligado a um elemento da natureza, a um sabor, a uma estação do ano, a um clima, a uma atitude, a uma emoção, etc...
Fígado e Vesícula Biliar estão ligados ao elemento Madeira; sua energia é de expansão, ela procura abrir caminho, criar espaços.
Estação: primavera (quando estes meridianos estão ao mesmo tempo mais ativos e mais sensíveis, precisando de mais atenção e cuidados).
Sabor: ácido (em excesso pode prejudicar a energia do fígado, mas na dose certa atua como um verdadeiro remédio)
Partes do corpo governadas: nervos e tendões, olhos.
Emoções: raiva, irritação, impaciência.
Atitude: planejamento e decisão.

Nas posturas que atuam sobre a abertura do tórax, como Ustrasana (a postura do camelo) estamos desbloqueando os meridianos de Coração e Intestino Delgado (C-ID) que possuem pontos importantes nesta região e nos braços.

Coração e Intestino Delgado estão ligados ao elemento fogo; o sol aquece e permite a vida na terra e o sol em nós é o coração, que irradia calor humano e alegria. Quando estes meridianos estão desequilibrados tanto podemos ficar fechados demais, mal humorados ou histéricos, super excitados.
Estação: Verão
Sabor:  amargo
Partes do corpo governadas: veias e artérias, língua.
Emoções: histeria, hiperexcitação
Atitude: alegria, comunicação, calor humano.

Nas posturas que atuam sobre a parte anterior das pernas, como os Virasanas, estamos desbloqueando os meridianos de Estomago e Baço-Pâncras (E-BP), que possuem pontos importantes nesta região.
Estes meridianos estão ligados ao elemento Terra – que é o chão que pisamos, o que nos dá estabilidade, base, centro.
Estação: o final do Verão, mas também a parte final de cada estação, quando a natureza já prepara o período, a estação seguinte.
Sabor: doce (o doce natural dos alimentos – das frutas, por exemplo; o açúcar, especialmente o refinado pode causar desequilíbrios nestes meridianos, especialmente quando ingeridos em excesso)
Partes do corpo governadas: músculos, circulação linfática, boca.
Emoções: preocupação, crítica, pensamento obsessivo.
Atitude: reflexão, permanecer no seu próprio centro.
Nas posturas que atuam sobre ombros, braços e naquelas que visam desbloquear as juntas do corpo (aonde a energia se bloqueia mais facilmente) estamos desbloqueando os meridianos de Pulmão e Intestino Grosso (P-IG).
Estes meridianos estão ligados ao elemento Metal, ao período de colheita, quando os frutos estão maduros. Os pulmões guardam o material precioso, o tesouro sem o qual os demais órgãos não poderiam funcionar.
Estação: Outono
Sabor: picante (um pouco ajuda a energia, em excesso pode prejudicar pulmão e intestino grosso)
Partes do corpo governadas: pele e nariz.
Emoções: tristeza, ressentimento.
Atitude: saber criar pausas para absorver as experiências.

Nas posturas que atuam na parte posterior do corpo, como o Paschimottanasana, estamos desbloqueando os meridianos de Rins e Bexiga (R-B).
Estes meridianos estão ligados ao elemento água; estes meridianos guardam a energia pré-natal, por isso é muito importante cuidar desses meridianos.
Estação: inverno
Sabor: salgado
Partes do corpo governadas: ossos, medula, ouvidos.
Emoções: medo
Atitude: sabedoria de saber fluir com a vida, buscando contornar os obstáculos, como faz a água, perseverando pacientemente, esperando que a semente esteja pronta para germinar.

Estes meridianos estão em constante fluxo, interagindo constantemente em ciclos de energia. Cada elemento, cada meridiano, gera outro, em um ciclo de geração de energia:

A madeira queima, produzindo o Fogo, de cujas cinzas se forma a Terra, e dentro dela se condensa o Metal que expulsa de si a água. Em outras palavras: madeira gera fogo, que gera terra, que gera metal, que gera água, que alimenta madeira. Daí temos o ciclo Mãe-Filho (ou ciclo de geração):
Madeira(F-VB) é mãe de Fogo;
Fogo(C-ID) é mãe da Terra;
Terra(E-BP) é mãe de Metal;
Metal(P-IG) é mãe da Água;
Água(R-B) é mãe da Madeira.

Se um meridiano se desequilibra, todo o organismo sofre, pois todos estão interligados; por este motivo também não adianta tratar um único meridiano (ou um único órgão).
Mas temos ainda um outro ciclo de energia: Avó-Neta ou ciclo de dominação:
A água apaga o fogo, que funde o metal, que corta a madeira, que esgota a terra, que absorve a água.
Madeira(F-VB) é avó da Terra;
Fogo(C-ID) é avó do Metal;
Terra(E-BP) é avó da Água;
Metal(P-IG) é avó da Madeira;
Água(R-B) é avó do Fogo.

Este ciclo auxilia a “manter as coisas no lugar”, equilibrando a energia dos elementos, dos meridianos e tudo que se refere a eles – como as emoções, por exemplo.
Por exemplo: se a energia da madeira (F-VB) está bloqueada (há um excesso) podemos ajudar a desbloquear recorrendo a avó de Fígado (P-IG). Podemos pensar em utilizar os sabores - diminuir o ácido que em excesso pode prejudicar esses meridianos e aumentar com moderação o sabor picante que fortalecendo a avó ajudará a neta. Podemos ainda utilizar a atitude de P-IG – a introspecção, a meditação, para ajudar a harmonizar a energia da neta, etc...

Temos instrumentos para trabalhar nossa energia o que se reflete não apenas na nossa saúde, na nossa paz interior, mas também nas nossas relações, nos nossos afetos. Esta paz pode se irradiar do nosso centro – e isso não é algo que atingimos pela vontade do ego, pelo desejo de sermos bons, de sermos melhores,etc...vem de encontrarmos nosso centro verdadeiro, o Hara, a “Cidade da Jóia” que reside em cada ser, e não pertence a ninguém.

Namastê


3.4.13

O que é a verdade?


Oito cegos andavam juntos numa estrada da Índia, quando um homem conduzindo um elefante avisou a eles que saíssem da frente. Os cegos nunca tinham encontrado um elefante, e pediram ao condutor que lhes permitisse tocá-lo, para saberem o que, afinal, é um elefante. 
 
Recebendo a permissão, eles se aproximaram do animal enorme, de modo que um deles, ao se chocar contra a pata do elefante, gritou: “um elefante é como uma árvore!”. Mas outro, segurando o rabo do elefante, disse: “não, ele é como uma corda.” Outro pegou a tromba e concluiu que o elefante se parecia com uma cobra, outro tocou na orelha e achou que parecia com um abano... 


Para Platão a verdade é descoberta pela razão, porque está no mundo das idéias, o mundo dos sentidos é ilusório. Para Aristóteles o conhecimento da verdade vem da observação da natureza e em descobrir a causa dos fenômenos observados. Nas filosofias indianas o mundo das percepções, sentimentos e pensamentos é ilusório. A verdade é acessada pelo silêncio interior.

A ciência a que estamos acostumados nasceu no século XVI, e vê o mundo como uma máquina descrita pela matemática. A verdade é o conhecimento científico comprovado através de experimentos. “A visão, som, gosto, tato e olfato, a sensibilidade estética e ética, os valores, a qualidade, a forma, os sentimentos, motivos, intenções, a alma, a consciência, o espírito – a experiência como tal – não pertencem ao domínio científico.” (R. D. Laing, psiquiatra)

Há quase cem anos toma forma outra visão científica, chamada de sistêmica ou orgânica ou holística ou ecológica: o universo não é uma máquina, é um todo dinâmico e indivisível. As explicações dos fenômenos não são “isto ou aquilo”, são “isto e aquilo”; o olhar do observador modifica o comportamento do observado; não existem objetos, existem interconexões; algo se modifica aqui e outro algo bem longe responde se modificando de modo complementar; tempo e espaço são duas faces da mesma coisa; a luz é onda e é partícula... tudo isso apenas no domínio da física.

O que, então, é a verdade?